segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Poder da Internet

Escrito por: Cristovam Buarque
Em outubro de 2000, publiquei neste jornal (O Globo) um artigo com o título "A Internacionalização da Amazônia". Nele, repetia minha resposta a uma pergunta feita por um estudante norte-americano, em setembro daquele ano, em Nova York, durante um evento promovido pelo State of the World Forum. Ele estava sentado no chão, em frente à mesa que eu ocupava, levantou e fez sua pergunta. Não se sentou, esperou que eu me levantasse e quando comecei dizendo que era contrário, ele continuou: "não quero sua resposta como brasileiro, mas sim como humanista".

Reorientei minha resposta, e disse que como ser humano era a favor da internacionalização da Amazônia, mas desde que internacionalizássemos também tudo o que fosse importante para a humanidade. As reservas de petróleo deveriam ser internacionalizadas, porque são tão importantes hoje como a floresta será amanhã. Os arsenais nucleares não deveriam ficar nas mãos dos Estados Unidos e de outros poucos países, deveriam ser internacionalizadas. A própria cidade de Nova York, onde está a sede das Nações Unidas, não deveria pertencer apenas aos Estados Unidos. O capital financeiro especulativo, que provoca fome, desemprego, destrói países inteiros com prejuízos maiores do que as queimadas da Amazônia, tampouco deveria ser de um particular. Defendi até que os principais museus do mundo fossem internacionais. Afinal, eles são os guardiões do patrimônio cultural da humanidade, tanto quanto a Amazônia é seu patrimônio natural.

Até as crianças do mundo deveriam ser internacionalizadas, o que evitaria que algumas morressem ou trabalhassem por terem nascido em um país pobre. E concluí dizendo que, como humanista, defendia a internacionalização do mundo, mas enquanto o mundo nos tratasse como brasileiros, a Amazônia deveria nossa. E só nossa.

Por alguma razão que não consigo explicar, o artigo caiu nas graças dos leitores e passou a circular na Internet. Foi traduzido espontaneamente em diversos idiomas, chegou a entrar na antologia dos "Cem Discursos Históricos Brasileiros", preparada pelo Professor Carlos Figueiredo.
Porém, as versões da Internet contêm alguns equívocos: de que o evento aconteceu em uma universidade, quando na verdade foi em uma sala do Hotel Hilton de Nova York, na 6ª Avenida (só em novembro de 2007 fui convidado a falar sobre o assunto, na Universidade do Texas - Panamericana); de que o fato foi publicado em jornais norte-americanos, depois de ter sido ignorado por jornais brasileiros, quando na verdade, foi O Globo que o publicou, nesta coluna; até de que o autor seria o Chico Buarque – eu ficaria muito contente se pudesse trocar a autoria de todos meus artigos por qualquer uma das belíssimas músicas que ele compôs.

É comum que em minhas viagens, no Brasil e no exterior, pessoas me perguntem se eu sou, de fato, o autor desse discurso.

Há poucas semanas, fui visitar a base brasileira na Antártica. Durante escala em Punta Arenas – na margem do Estreito de Magalhães, no extremo sul do continente –, o Major Brigadeiro da Diretoria de Intendência do Comando da Aeronáutica, Eliseu Mendes Barbosa, chamou-me à portaria do hotel, para me mostrar o porteiro, que estava falando sobre o artigo, sem ter a menor idéia de que o autor era um dos hóspedes. Assim que regressei, uma rádio da França me colocou no ar, ao vivo, para debater o artigo com o locutor e pessoas que comentavam pela Internet.

A apresentadora Ana Maria Braga leu o artigo no início de seu programa, no Dia Nacional do Meio Ambiente. O ator Antônio Abujamra também o lê, no meio da sua peça "A Voz do Provocador".

O fato é que um artigo publicado um certo dia em O Globo ganhou o mundo, graças à Internet e a alguns leitores que decidiram tomar seu tempo para reparti-lo com outras pessoas, criando um processo de sucessivas reproduções, como uma reação em cadeia.

Esse poder da Internet só faz mostrar que o mundo realmente precisa ser internacionalizado. Mas, enquanto não for, a Amazônia é nossa! Só nossa!

Escrito por: Cristovam Buarque - cristovam@senador.gov.br

Um comentário:

Anônimo disse...

Dom demais, amigo.
O artigo é excepcional!
Parabéns pela menção.
Abraço.