sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

FEBRE AMARELA: Médico diz que estão usando a saúde "para politicagem barata"

Por Pedro Saraiva em 15/01/2008

Caro Azenha, sou médico clínico geral e nefrologista formado pela UFRJ. Sou
seu leitor assíduo, e resolvi escrever-lhe para ver se pelo menos aqui, no
seu blog, um médico consegue espaço para falar sobre essa histeria que
envolve a febre amarela.
A cobertura da grande imprensa parece que não consegue chegar ao fundo do
poço. Depois de inúmeros factóides e de acusar o presidente até de derrubar
aviões comerciais, eles agora aparecem com essa irresponsabilidade de criar
pânico na população através de um problema de saúde pública. Tive acesso a
um texto da jornalista da Folha, Eliane Cantanhêde (que aliás, parece ser
casada com um dos donos de uma produtora ligada às campanhas eleitorais do
PSDB), que dizia o seguinte logo no primeiro parágrafo:
"Com sua licença, vou usar este espaço para fazer um apelo para você que
mora no Brasil, não importa onde: vacine-se contra a febre amarela! Não
deixe para amanhã, depois, semana que vem... Vacine-se logo! "
E depois de alguns parágrafos em que não esclarece nada, termina assim:
"O fantasma da febre amarela, portanto, paira sobre o país como um alerta
num momento crucial, para que a saúde e a educação sejam preservadas antes
de tudo o mais. Senão, Lula, o aedes aegypti vem, pica e mata sabe-se lá
quantos neste ano --e nos seguintes. "

ABSURDO! ESTÃO USANDO A SAÚDE PÚBLICA PARA POLITICAGEM BARATA!

Alguns esclarecimentos:
Colunistas falam de epidemia com uma facilidade incrível para quem não
entende o que quer dizer o termo. Epidemia não é o aparecimento de casos de
uma doença no jornal. Uma epidemia só se caracteriza quando ocorre um
aumento maior que 2x o desvio padrão sobre a incidência média de uma doença
nos últimos anos.
Ou seja: Incidência média + 2x desvio padrão.
Não vi até agora nenhum jornal mostrar a incidência da febre amarela nos
últimos 10 anos para uma comparação. Repare na média de casos do período FHC
e Lula, será por isso que ninguém mostra os números?
1996 - 15 casos
1997 - 3 casos
1998- 34 casos
1999 - 76 casos
2000- 85 casos e 42 mortes
2001 - 41 casos e 22 mortes
2002 - 15 casos e 6 mortes
2003 - 64 casos e 22 mortes - obs: 58 dos casos diagnosticados na região
sudeste, principalmente MG
2004 - 5 casos e 3 mortes
2005 - 3 casos e 3 mortes
2006 - 2 casos e 2 mortes
2007 - 6 casos e 5 mortes
(fonte : Min.Saúde)
Todos esses casos são da forma de transmissão em área silvestre da febre
amarela. Desde a década de 1940 que não há relatos da transmissão urbana da
febre amarela. Veja bem, transmissão em zona urbana é diferente de
diagnóstico em zona urbana. A forma silvestre é endêmica pincipalmente nas
regiões Norte e Centro-Oeste e se comporta de forma cíclica, com surtos a
cada 5-7 anos.
A transmissão em área silvestre é feita pelo mosquito do género Haemagogus,
e se dá através, principalmente, de macacos infectados para humanos não
imunizados por vacina. A forma urbana é transmitida do homem para homem
através do Aedes aegypti, o mesmo da dengue. O risco de retorno da forma
urbana não é novo, e existe desde a década de 80 quando houve a reintrodução
do Aedes aegypti no Brasil.
Até o momento (15/01/08), apesar de toda histeria, apenas 2 casos foram
comprovadamente de febre amarela este ano. E todos contraídos em áreas
silvestres. Ou seja, nada de anormal.
Feitos os esclarecimentos, vamos aos comentários sobre a cobertura da mídia.
1- Estão noticiando morte de macacos, supostamente com febre amarela, como
se isso fosse um sinal de que a doença está fora de controle. O pior, vários
dos macacos noticiados tiveram exame negativo para febre amarela. Ou seja,
estão noticiando apenas morte de macacos.
2- Estão noticiando as mortes por febre amarela como um fato novo do governo
Lula, como se ninguém morresse da doença nos anos anteriores. Estão
confundindo a ausência de casos urbanos com ausência de casos em geral.
3- E o mais grave, estão criando pânico na população e levando a uma corrida
desnecessária e prejudicial aos postos de vacinação. Os comentários dos
leitores nas edições da internet do Globo por exemplo, são assustadores. A
mídia informa mal os leitores, e deixa que o boca-a-boca crie teorias da
conspiração contra o governo.
A vacina da febre amarela não é vitamina C. Ela é feita com vírus vivo
atenuado e por isso apresenta contra-indicações e efeitos colaterais. Quem
não mora em área de risco ou não vai viajar para uma, não precisa e não deve
receber a vacina. Além de tudo, ainda há o risco de falta da vacina para
quem precisa.
Contra- indicações
* Crianças com 4 meses ou menos de idade, devido ao risco de encefalite
viral (contra-indicação absoluta).
* Gestantes, em razão de um possível risco de infecção para o feto.
* Pessoas com imunodeficiência resultante de doenças ou de terapêutica:
infecção pelo HIV, neoplasias em geral (incluindo leucemias e linfomas ),
Aids, uso de medicações ou tratamento imunossupressores (corticóides,
metotrexate, quimioterapia, radioterapia), disfunção do timo (retirada
cirúrgica ou doenças como miastenia gravis, síndrome de DiGeorge ou timoma).
* Pessoas que tenham alergia a ovos, uma vez que a vacina é preparada em
ovos embrionados.
* Pessoas com alergia a eritromicina, um antibiótico que faz parte da
composição da vacina.
* Pessoas com alergia a gelatina, que faz parte da composição da vacina.
* Pessoas com antecedentes de reação alérgica a dose prévia da vacina
anti-amarílica.
Efeitos colaterais.
* Reação alérgica grave (anafilática) ocorre em aproximadamente 1 em cada
131.000 doses aplicadas.
* Reações no sistema nervoso central (encefalite) – cerca de 1 caso para
cada 150.000 - 250.000 doses.
* Comprometimento de múltiplos órgãos com o vírus da febre amarela vacinal
- aproximadamente 1 caso para cada 200.000 - 300.000 doses. Acima de 60 anos
a incidência desta complicação é maior (cerca de 1 caso para cada 40.000 -
50.000 doses). Mais da metade dos indivíduos com febre amarela vacinal
evoluem para o óbito.
Se na remota hipótese de alguém morrer por tomar desnecessariamente a vacina
a Sra.Eliane Cantanhêde vai se responsabilizar? Ou vai culpar o governo de
novo?
Em vez de focar nos inúmeros problemas reais do nosso sistema de saúde, a
imprensa prefere criar factóides que em nada ajudam a população.

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