quarta-feira, 25 de junho de 2008

Novas regras e um pouco da história do Legislativo municipal

Mês passado uma Proposta de Emenda a Constituição, a chamada PEC dos vereadores, propôs um aumento significativo no número de vereadores, em primeira votação foi aprovada por esmagadora maioria na Câmara dos Deputados. Além de alterar o número de cadeiras nas Câmaras municipais em todo o Brasil a PEC propõe novas regras para o orçamento dos legislativos municipais. Com essas novas regras entrando em vigor a Câmara Municipal de Tangará da Serra passará a ter 15 cadeiras já para a próxima legislatura.

As Câmaras municipais são muito importantes pois o vereador é o represente do poder público mais próximo da população, nesse sentido o aumento do número de vereadores significa aumento de representatividade para as comunidades. Olhando para nossa história vamos ver que as Câmaras municipais constituem o poder mais antigo do Brasil. A primeira Câmara municipal chegou bem antes da família real, em 1532, quando o arraial de São Vicente foi elevado à categoria de vila. As Câmaras compunham o principal instrumento do aparato administrativo português em todas as suas colônias.

As Câmaras municipais tinham por atributo criar e cobravam impostos, regular profissões e ofícios, regular o comércio, administrar prisões, organizar a defesa e pagar os soldados. Ou seja, exerciam o poder que hoje é dividido entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Com a independência o Império brasileiro diminuiu o poder das Câmaras, mas elas continuaram a exercer a função executiva porque não havia ainda a figura do prefeito. A partir de 1930, com o início da Era Vargas as Câmaras tomaram o formato que mantêm até hoje, a exclusiva função de casas legislativas.

Em Tangará da Serra a Câmara de vereadores passou por várias transformações, desde a primeira legislatura até hoje podemos ver que o número de vereadores veio variando de acordo com o crescimento da cidade e com novas regras adotadas. O município de Tangará da Serra foi instalado no dia primeiro de fevereiro de 1977, quando foram empossados os vereadores, prefeito e vice-prefeito eleitos no ano anterior. O primeiro governo durou seis anos, até 1982.

A primeira legislatura era composta por onze parlamentares. Para a segunda legislatura o número de cadeiras aumentou para treze, e na terceira saltou para quatorze. Para o quarto governo municipal foi mantido o número de quatorze cadeiras. Em 1997, para a quinta legislatura, o número de cadeiras foi reduzido em uma, voltando a ter treze vereadores. Na sexta legislatura a Câmara passa a ser novamente formada por catorze vereadores. Esse foi o períodos mais conturbado de nossa história política quando o prefeito e muitos vereadores foram cassados. A sétima e última legislatura sofreu uma brusca diminuição no número de parlamentares, imposta por uma Resolução do Tribunal Superior Eleitoral – TSE que em 2004 diminuiu em mais de oito mil e quinhentos o número de vereadores em todo Brasil, por isso a atual legislatura é formada por apenas dez vereadores.

Mantida a proposta da PEC o orçamento das Câmaras serão divididos em cinco faixas, de acordo com a arrecadação. Na primeira faixa, por exemplo, estarão as cidades com arrecadação de até 30 milhões por ano, estas poderão repassar ao legislativo até 4,5% desse valor. A porcentagem do repasse vai caindo na proporção que aumenta a arrecadação de cada cidade, por isso as novas regras garantem diminuição dos gastos públicos.

O aumento no número de vereadores pode significar o fortalecimento da democracia, uma vez que aumentam os representantes do povo no governo, dividindo o poder de decisão, mas isso depende também do eleitor que deve ser criterioso e escolher não apenas pela aparência que os candidatos demonstram durante a campanha, mas pela essência das propostas e projetos apresentados.

Alex Andrade – professor e mestrando em História pela PUCRS.

Artigo publicado em O Jornal do Vale - segunda-feira dia 23 de junho de 2008.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Uma saraivada de homenagens

Não é necessário muito esforço para perceber que nos últimos meses o Legislativo Municipal tem se empenhado em prestar homenagens, a chuva de homenagens é forte o suficiente para atingir os mais diversos segmentos da sociedade. Naturalmente, não faço nenhuma objeção ao ato de homenagear pessoas, ao contrário, acredito que o reconhecimento é fundamental, tanto para valorizar os bons serviço quanto para incentivar que mais pessoas se dediquem em prestar trabalhos relevantes à sociedade. Essas homenagens em profusão me trouxeram a mente uma parábola do Novo Testamento contada por Jesus, o Cristo. Foi inevitável não estabelecer um paralelo entre os ensinamentos do mestre e as muitas homenagens graciosamente oferecidas por nossos legisladores.

Apesar de vivermos em um país cristão poucas vezes vejo a Bíblia ser aplicada como instrumento de análise para nossas questões políticas. Talvez por tratar-se de um livro sagrado acabe ganhando um aspecto místico, com isso perdemos a oportunidade de aprender mais com esse livro que quase todos têm em casa. A parábola que me faz lembrar os prestadores de homenagens é a do Administrador astuto. Narrada no Evangelho de Lucas a parábola conta a esperteza de um homem que era responsável por administrar os bens de seu patrão.

O patrão, um homem rico, suspeitando de seu administrador o chamou e disse que deveria prestar-lhe contas pois seria demitido. Ciente, então de que seria despedido e ficaria em dificuldades o administrado usando de astúcia utilizou-se de uma boa estratégia para que fosse bem recebido pela sociedade, mesmo depois de perder o emprego. Fez o seguinte, chamou os devedores de seu patrão e lhes perguntou: quanto deves ao meu senhor? Cem potes de azeite, respondeu o devedor. O administrador lhe disse, tome sua conta, assente-se e de pressa escreva cinqüenta. Para outro perguntou o mesmo: e você quanto deves? Cem tonéis de trigo, respondeu o segundo devedor. O administrador lhe disse, tome sua conta e escreva oitenta.

Talvez nossos legisladores estajam fazendo o mesmo, sabendo que muito provavelmente não mais continuarão nos cargos que ocupam estão prodigamente tratando de prestar homenagens, moções de aplauso e reconhecimento, entre outras honrarias, ao maior número possível de pessoas para que depois sejam bem recebidos pela sociedade. Essa constatação, no entanto não deve ser interpretada unicamente como crítica, leiam a parábola e confiram como ela ilustra bem o comportamento político em questão, observem que no final o patrão elogia a esperteza de seu administrador que, contudo, foi demitido, não permaneceu no cargo.

Alex Andrade, professor e mestrando em História pela PUCRS.

Artigo publicado em O Jornal do Vale sexta-feira, 06 de junho de 2008.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Washington promove cenário de conflito na América do Sul

Já faz alguns anos que o governo dos Estados Unidos vem procurando a maneira de promover um conflito entre os países sul-americanos para contrabalançar os esforços, liderados pela Venezuela, de integração latino-americana e a verdadeira independência da parte sul do continente com respeito ao império do norte. Contudo, suas tentativas bélicas não encontraram braços receptivos na região —até poucos meses atrás.

A partir de primeiro de março, quando o governo colombiano realizou uma invasão não autorizada em território equatoriano, massacrando a sangue frio as pessoas presentes no acampamento de Raúl Reyes — que incluía um grupo de estudantes mexicanos — o governo de Álvaro Uribe mostrou sua receptividade à estratégia imperial de Guerra Regional.

A partir desse momento, temos visto incidente após incidente buscando provocar uma reação hostil dos vizinhos da Colômbia. Um dia, soldados colombianos cruzam a fronteira venezuelana; outro dia, mentem sobre fotos ou documentos supostamente obtidos de computadores não autenticados que vinculam o Equador ou a Venezuela com o terrorismo e com a desestabilização. Outro dia, Álvaro Uribe anuncia sua disposição de hospedar a base militar dos EUA — atualmente em Manta, no Equador — em território colombiano, apesar de a Colômbia já manter três bases militares norte-americanas dentro de suas fronteiras, além de múltiplos comandos militares operativos por toda a fronteira com a Venezuela e a costa caribenha. Depois, Uribe reúne-se com o governador do estado venezuelano de Zulia, Manuel Rosales, conhecido opositor às políticas de Chávez, e expressa seu desejo de estreitar as relações entre Zulia e a Colômbia, como se Zulia fosse uma nação diferente da Venezuela, com sua própria política exterior.

Depois, um avião militar norte-americano, o Viking S-3, sai da base dos EUA no aeroporto internacional Hato, em Curaçao, e chega até a ilha de Orchila 'devido a um erro de navegação', coisa que ninguém acredita. Atenção, desta vez aconteceu de detectarem o avião norte-americano realizando suas ações de espionagem, não quer dizer que foi a primeira vez, nem que será a última.

O anúncio do Pentágono da reativação da Quarta Frota da Armada norte-americana é mais uma amostra de que Washington quer trazer sua guerra para a nossa América. Durante dois anos eles têm reforçado e equipado suas bases militares na região, principalmente na zona caribenha —Curaçau, República Dominicana, Colômbia— e estão construindo uma nova no Paraguai, perto da fronteira com a Bolívia e das maiores reservas de água do continente. Não há nenhum outro país no hemisfério que mantenha tanta presença militar em quase todos os países da região. E agora estão aumentando esta presença para garantir uma permanência bélica de Washington nas Américas. Não é possível ver a presença da Quarta Frota —além de todas as suas bases militares na região e da ocupação militar do território colombiano— como algo diferente de uma ameaça à paz regional e à soberania dos nossos povos.

E agora, estão consolidando a estratégia separatista e secessionista na Bolívia, com as consultas separatistas nos departamentos de Beni e Pando, que apesar de ilegais e ilegítimas serão utilizadas, junto com o referendo que ocorreu no dia 4 de maio passado em Santa Cruz, como plataforma para dividir a Bolívia em pedaços. Depois, as forças imperiais tentarão levar estes planos para a Venezuela e o Equador, onde há alguns anos lançaram as sementes separatistas nas zonas de Zulia e Guayaquil. O presidente Chávez denunciou por estes dias que esse plano secessionista está expandindo-se fora de Zulia para incluir também os estados de Táchira, Apure e Mérida, com o objetivo de criar uma espécie de 'meia-lua' venezuelana.

Tudo isto vai ao encontro do Plano Balboa, elaborado no ano 2001 como um exercício militar de invasão à Venezuela e ocupação da região fronteiriça com a Colômbia (que inclui Zulia, Táchira e Apure) e faz parte do plano do estado Falcão para poder controlar a indústria petroleira e proteger o fornecimento de energia para os EUA. Parte da justificativa para a invasão a território venezuelano no Plano Balboa seria garantir a integridade do país vizinho, a Colômbia, e reduzir a influência de um líder rebelde, de esquerda que se associava com "grupos terroristas". Sete anos depois, estamos vendo como Washington foi preparando o cenário para ativar o Plano Balboa na vida real.

O atual encarregado da política de Washington para a América Latina dá a indicação de até que ponto poderia ir esta estratégia de conflito regional. O Sr. John Negroponte, atual Subsecretário de Estado, segundo de Condoleezza Rice, é quem assumiu o papel de reorientar a política dos EUA no hemisfério. No dia 1º de junho, reuniu-se com o presidente colombiano Álvaro Uribe em Medellín, preparando a reunião da Organização de Estados Americanos, realizada nessa cidade de 1º a 3 de junho.

Negroponte também apareceu pouco tempo atrás na sede da OEA em Washington, durante o debate sobre a violação territorial colombiana ao Equador. Apesar de suas pressões e táticas mafiosas não conseguirem uma resolução favorável aos interesses de Washington, conseguiram impedir uma condenação e um rechaço contundente do organismo multilateral à Colômbia.

Negroponte é um homem de guerra. Dirigiu grande parte da guerra suja na América Central durante os anos oitenta, quando era embaixador dos EUA em Honduras. Durante a estada de Negroponte em Honduras, a assistência militar dos EUA a esse país passou de US$ 3,9 milhões para US$ 77,4 milhões por ano. Em 1994, a Comissão Hondurenha para os Direitos Humanos apurou o desaparecimento e tortura de pelo menos 184 opositores políticos. Também acusou especificamente Negroponte por violação dos direitos humanos. Além disso, Negroponte esteve envolvido no financiamento e armamento dos Contra na Nicarágua, cujos membros eram mais conhecidos como esquadrões da morte e assassinos. Foi um dos implicados no caso Irã-Contras, acusado pelo Congresso dos EUA de ter participado na venda de armamento para o Irã para continuar financiando os Contra na Nicarágua.

Anos depois, Negroponte apareceu como Embaixador dos EUA no México, justamente durante o lançamento dos Zapatistas. Dizem que coordenou a participação dos serviços de inteligência norte-americanos na guerra contra os Zapatistas em Chiapas. Seu papel como Embaixador dos EUA nas Nações Unidas foi chave para justificar a guerra preventiva contra o Afeganistão e o Iraque. Posteriormente, foi nomeado Embaixador dos Estados Unidos no Iraque, conseguindo aumentar a capacidade da embaixada norte-americana nesse país e a quantidade de mercenários, como a Blackwater, operando no Iraque com contratos multimilionários com o Departamento de Estado e o Pentágono para prestar 'serviços' de segurança.

Em 2005, foi nomeado Diretor Nacional de Inteligência dos EUA, responsável por toda a comunidade de inteligência, militar e civil, e aumentou em 50% a presença da CIA na América Latina. Também criou a Missão Especial da CIA para Venezuela e Cuba, uma nova entidade que conta com um time de especialistas em inteligência e espionagem dedicado a 'recolher informação de inteligência' e 'preparar e executar estratégias' para contrabalançar a influência da Venezuela no hemisfério e debilitar sua relação com Cuba. Negroponte definiu a Venezuela e o Presidente Chávez como a 'mais grave ameaça aos interesses norte-americanos na região' em fevereiro de 2006. Foi um dos grandes responsáveis pela política hostil de Washington para a Venezuela e seus aliados no hemisfério. A partir de 2007, Negroponte incorporou-se ao Departamento de Estado como o segundo homem mais poderoso da chancelaria norte-americana, e desde então a relação entre a Venezuela e os EUA piorou ainda mais.

A combinação de fatores: Negroponte mais uma vez dirigindo a política imperial neste hemisfério; a Quarta Frota da Armada dos EUA ativada na América Latina; a entrega da Colômbia, por parte do governo de Álvaro Uribe, para as forças militares norte-americanas e sua postura abertamente agressiva com seus vizinhos; o lançamento dos movimentos separatistas na Bolívia, Equador e Venezuela, que buscam dividir e desestabilizar nossos processos de avanço social; e o aumento das bases militares norte-americanas por toda a região, tudo isso indicando que Washington busca ativamente um conflito armado na América Latina. A Venezuela e seus aliados precisam achar a maneira de não cair nas provocações de Washington.

Devemos promover a paz, mas sempre mantendo a preparação necessária para defendê-la.

Diretora-Geral da Fundação Centro de Estudos Estratégicos de Segurança de Estado 'CESE'
reproduzido de: agência Carta Maior - clic sobre o título para acessar.