segunda-feira, 21 de abril de 2008

Terceira via esburacada: uma análise das possibilidades

O termo terceira via surge na Europa quando Anthony Guiddens afirma ser possível criar outras possibilidades diante do capitalismo selvagem e do comunismo ineficiente. É uma iniciativa popular inovadora capaz de construir caminhos que avence na consolidação da democracia. A primeira vez que ouvi falar em terceira via na política em Tangará da Serra pensei tratar-se de uma proposta nova, algo realmente diferente e inovador, imaginei um partido ou coligação com uma proposta ainda não experimentada, um estilo de governar que nunca estivesse estado antes na prefeitura ou tido maioria na Câmara.

Me lembro que a expressão terceira via esteve em evidência quando da primeira eleição de Lula, alguns analistas políticos diziam ser ele uma terceira via. O chamavam assim porque já não se tratava mais daquele velho Lula, o sindicalista radical de esquerda que bradava para uma multidão de operários denunciando a exploração e as desigualdades entre patrões e empregados. Para o Lula candidato a presidência da república em 2002 o socialismo tinha tomado outras configurações afastando-se daquele discurso marxista onde a luta de classes é o motor das relações políticas e sociais. Por outro lado Lula também não havia se tornado um neoliberal confesso, como aqueles contra quem sempre lutou. Alguns especialistas falavam em “neoliberalismo social”, sua proposta fazia concessões ao capitalismo liberal, mas sem perder totalmente suas preocupações sociais. Sem emitir juízo de valor é preciso admitir que a eleição de Lula significou mudança, um estilo de governo que nunca tínhamos experimentado antes em toda a história do Brasil.

Pensei em algo nesse sentido para uma terceira via em Tangará da Serra, esperava por alguma proposta sem grandes rupturas, mas que também não se apresentasse conservadora, uma opção onde naturalmente não se trataria da supremacia de partidos como o PSOL ou o PC do B, a esquerda no Brasil de hoje. Por outro lado também não esperava por partidos como DEM, PSDB, PPS, PMDB ou outros que em Tangará significam continuidade ou retorno a um passado já conhecido de todos. O cenário que vem se configurando não tem demonstrado características que podemos considerar como terceira via. O que tenho visto ser chamado de terceira via na verdade não é mais que apenas uma terceira opção. As alianças que vêm ganhando forma para a disputa das próximas eleições tem mostrado um quadro pintado com as mesmas cores de sempre.

Vejamos se alguma das opções até agora esboçadas pode ser considerada de fato como terceira via. O DEM de Jaime Muraro – que alijou-se de Fábio Junqueira – já esteve no poder por dois mandatos consecutivos, se bem que não conseguiu terminar o último, que foi concluído por dona Ana do PP, que por sua vez é esposa do ex-prefeito Manoel do Presidente, do mesmo partido. Os antigos aliados de dona Ana, Masson e Muraro, de quem já foi vice, hoje estão no lugar de adversários. O nome mais forte do PSDB, Saturnino Masson, já esteve na prefeitura como prefeito e vice. Portanto o DEM, o PP e o PSDB dispensam maiores comentários, juntos ou separados ou com quem quer que venham fazer alianças não significam nenhuma mudança no sentido de construir uma terceira via, a volta de qualquer um desses partidos ao poder significa retorno a um passado já conhecido.

O PMDB é o maior partido, é o partido da primeira prefeita de Tangará e não há nada de novo nesse grupo a não ser as disputas internas entre seus pré-candidatos a prefeito. Isso parece mais desestabilizar o partido do que apontar algo de inovador ao ponto do PMDB significar mudanças que represente uma terceira via. Seja com a antiga prefeita, que tem ainda muita influência dentro do partido, seja com a atual presidente ou com qualquer um dos dois pré-candidatos que mais estão em evidência por causa de suas querelas, o PMDB em Tangará nem de longe se parece com uma terceira via.

Até agora nada que signifique mudança, somente continuidade. Por diferente de sejam as alianças que têm sido ensaiadas até agora nenhuma demonstra mudanças no sentido de termos uma terceira via no comando do executivo municipal. Se há uma terceira via com possibilidades de alcançar o poder ela ainda não se deixou conhecer, nem a distância, mas continuemos nossa observação.

O PR do atual prefeito Júlio César, que já tem o apoio do PTB é, dentre os que têm condição real de eleição, o que menos significa retorno ao poder de grupos que já estiveram por lá. É diferenciado talvez por estar a pouco no poder local e pelas características da composição do seu secretariado, que tem apenas uma secretaria, Infra-estrutura, ocupada por seu aliado, o PTB. Todavia depende do eleitor se Júlio César permanece ou não na sua cadeira. Um outro problema do PR é a timidez de seu grupo, o partido não tem time para jogar, faltam nomes para ocupar até as pastas mais importantes do governo. E mais, Júlio ainda não sabe se pode contar com o grupo vindo do PPS, liderado por Wagner Ramos e Clóvis Baptista, por isso o PR depende de alianças, precisa da ajuda de um grupo forte e coeso e dependendo do grupo que conseguir compor pode sair daí alguma novidade, mas talvez ainda não seja essa a terceira via.

Até agora nenhuma das opções de aliança entre os diferentes partidos parece configurar uma postura política que podemos chamar de terceira via para Tangará da Serra. O PT nunca esteve a frente do executivo, mantém no máximo um nome expressivo no parlamento, o partido cresceu muito, seus quadros se alteraram e não é mais sinônimo de mudanças nos rumos dos governos que assumirem. Apesar do crescimento seus problemas intestinais impediram que o partido forjasse um nome para o executivo e constituíssem um grupo forte o bastante para sozinho conquistar o Palácio Tangará. Por depender de alianças e por ter perdido aliados históricos como o PCdoB, e outros como o PDT e PSDC, com quem já esteve junto num passado recente, também não pode ser considerado a terceira via.

Uma terceira via real, pela qualidade de seus quadros e pela inovação das práticas, poderia sair da aliança entre PSB, PCdoB e PDT, mas isso parece pouco provável. O PSB que é conduzido pela professora Idalina não tem grande expressão em Tangará. O PCdoB de Geovani Stoinski apesar de ser um dos partidos mais antigos de Tangará nunca elegeu nenhum representante para Câmara e ao que parece não terá fôlego para lançar candidatura para prefeito e vereadores. O PDT que é elogiado e até almejado por seu grupo de pré-candidatos parece também não ter condição de se lançar sozinho na disputa ao executivo, Idail Trubian o possível candidato do partido permanece calado sem se declarar na disputa. Apesar de ensaiada, uma aliança entre esses partidos não passa de conjectura, juntos poderiam representar a terceira via, mas parecem carentes de estrutura para consolidar uma aliança forte. Por isso não há no horizonte uma terceira via constituída, a proximidade das eleições vai nos mostrar, ou não, se há realmente uma terceira via no páreo.

Alex Andrade – professor e mestrando em história pela PUCRS.
Artigo publicado em o Jornal do Vale nos dias 24 e 25 de abril de 2008.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Laurindo L. Filho: Quinto poder? Uma função para a mídia livre

Patricia Fachin
Instituto Humanitas Unisinos

" Para Laurindo Leal Filho, sociólogo e jornalista, a expressão “mídia independente deve ser entendida apenas como uma forma de identificar veículos não comprometidos com a grande imprensa”. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele comenta que a idéia de liberdade de imprensa, tão sonhada nos anos 1960, hoje está “restrita aos grupos empresariais que controlam os meios de comunicação”.

Analisando a função da mídia livre, o jornalista diz que a “imprensa – de um modo geral – tornou-se ela própria um poder muitas vezes mais poderoso que os poderes da República”. E reitera a necessidade de criar instituições sociais capazes de atuar como “um quinto poder”. Para ele, esse papel já está sendo desempenhado, de alguma maneira, pela mídia alternativa movida pela internet.

Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), é formado em Ciências Sociais, pela USP, mestre em Sociologia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), doutor em Ciências da Comunicação, pela ECA/USP, e pós-doutor pelo Goldsmiths College da Universidade de Londres. "

IHU On-Line - Como o senhor avalia o conceito “liberdade de imprensa”? Essa expressão perdeu significado ao longo dos anos, levando em consideração que os fatos são divulgados por poucos grupos controladores da mídia?

Laurindo Leal Filho - Sim. O que nós temos é uma liberdade restrita aos grupos empresariais que controlam os meios de comunicação. Eles atuam como empreendimentos comerciais regidos pela lógica da acumulação capitalista. Seus objetivos básicos não diferem dos almejados em qualquer ramo do comércio. A maximização dos lucros é o objetivo prioritário. E, para isso, torna-se necessário ocupar cada vez mais fatias maiores do mercado, levando a uma crescente concentração das empresas. Com isso, a liberdade de circulação das informações se estreita, limitando-se ao que interessa a esses grupos, cada vez em menor número.

IHU On-Line - O que o senhor entende por mídia independente?

Laurindo Leal Filho - Não é um conceito novo, embora volte a ser usado no Brasil por alguns grupos que procuram se diferenciar da mídia hegemônica, controlada pelos grandes grupos empresariais. Acredito que seja necessário refinar um pouco o conceito, definindo-se melhor essa independência. Ela não existe de fórmula absoluta. Qualquer meio de comunicação depende, no mínimo, dos seus próprios colaboradores. A expressão mídia independente deve ser entendida apenas como uma forma de identificar veículos não comprometidos com a grande mídia. Apenas isso.

IHU On-Line – O que o senhor quer dizer com a idéia de que “a expressão mídia independente deve ser entendida apenas como uma forma de identificar veículos não comprometidos com a grande mídia”?

Laurindo Leal Filho – A mídia independente - e qualquer tipo de mídia - não paira no ar. Algum vínculo estrutural ela deve ter, seja na forma de empresa ou de organização social. A independência fundamental é em relação aos governos e aos grandes grupos empresariais, sejam eles mediáticos ou não.

IHU On-Line - Uma mídia alternativa precisa se, necessariamente, independente? Tendo em vista a lógica do capital, é possível essa desvinculação entre mídia e anunciantes, mídia e políticos?

Laurindo Leal Filho – Sim, é possível essa desvinculação, mas não uma independência absoluta e, portanto, abstrata. Pode não haver uma dependência, mas sempre haverá algum tipo de relação com idéias, valores, visões de mundo que, de alguma forma, dão personalidade ao veículo de comunicação. E isso pode ocorrer até no âmbito das relações capitalistas. Basta ver o exemplo de alguns grandes jornais europeus dirigidos por conselhos editoriais totalmente independentes da gestão empresarial. Aos gestores, cabe manter a saúde econômica da empresa e prestar contas aos acionistas, os quais, por sua vez, podem ter idéias e valores até conflitantes com os do veículo. Mas para eles não é isso que está em jogo e sim os dividendos financeiros obtidos.

Na radiodifusão, particularmente, que é uma concessão pública, as normas, no entanto, devem ser mais rígidas. Os concessionários desse tipo de serviço devem se abster de posicionamentos políticos, uma vez que não podem partidarizar algo que não é deles ou do seu grupo, mais sim de toda a sociedade. Nesse caso, cabe ao Estado estabelecer regras que garantam ao cidadão, ouvinte ou telespectador, o direito de receber a mais ampla variedade possível de opiniões e idéias, cabendo a ele a formar, a partir delas, o seu próprio juízo.

IHU On-Line - Profissionais que atuaram na imprensa há duas ou três décadas destacam a diferença do fazer jornalístico. Em que momento de sua história a grande imprensa mudou seu posicionamento?

Laurindo Leal Filho - Por se tratar de um processo, não se pode definir um momento preciso. As mudanças ocorreram por fatores estruturais ao capitalismo, como o já mencionado processo de concentração global. E, antes disso, a gradativa transformação dos meios de comunicação (especialmente jornais e revistas) em empresas comerciais. E houve um momento – podemos situar no caso brasileiro lá pelos anos 1960 – em que isso até foi positivo. Os jornais e revistas para atenderem a um público de classe média com maior escolarização investiram em profissionais talentosos e equipamentos modernos que passaram a tratar a notícia com mais cuidado. Viam-se prestando serviço de informação a um público cada vez mais exigente. Sem dúvida a qualidade da imprensa se elevou. Entre outros, dois exemplos foram marcantes: a revista Veja e o Jornal da Tarde, em São Paulo. No entanto, as regras do jogo são implacáveis. Essas e outras empresas, quase sempre às voltas com problemas financeiros, abdicaram desse jornalismo mais competente para irem se tornando, gradativamente, veiculadoras de mensagens adaptadas às suas estratégias de marketing. Para não falar das diferentes formas de subordinação aos diferentes governos, que lhes garantiam fatias importantes do faturamento mensal.

IHU On-Line - Além de driblar as informações disseminadas pela grande imprensa e tentar se destacar entre esses veículos, quais os outros fatores que dificultam a criação de uma mídia alternativa eficaz?

Laurindo Leal Filho – Dinheiro e vontade política. Os recursos são imprescindíveis e, com certeza, não virão das fontes de financiamento tradicionais, as grandes agências de publicidade e os grandes anunciantes. A estes não interessa investir em veículos críticos ao status quo, muito confortável para eles. Por isso, tornam-se necessários outros mecanismos de financiamento que passam pelo Estado (por exemplo, com a dotação de verbas publicitárias das instituições públicas para essa mídia não hegemônica) e pela sociedade, cujo apoio a esses veículos é fundamental.

Quanto à radiodifusão – que é o que realmente conta em termos de comunicação de massa no Brasil –, é preciso também vontade política para que os serviços públicos desse setor cheguem com qualidade a todos os domicílios brasileiros e se tornem uma verdadeira alternativa ao rádio e à TV comerciais.

IHU On-Line - O escritor francês Paul Virilio disse que a mídia contemporânea é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. O senhor concorda com essa visão? A imprensa não se reprime por dinheiro ou mais poder?

Laurindo Leal Filho – Diretamente, ela não faz isso. Mas seu poder é utilizado de forma brutal para pressionar governos e legisladores no sentido de promulgar leis do seu interesse. Ou, no caso brasileiro, de evitar a adoção de qualquer lei ou regulamento que arranhe, ainda que de leve, os seus privilégios. Basta ver a vergonhosa campanha das emissoras de TV contra a regulamentação do dispositivo constitucional que submete as programações a uma classificação indicativa. E, agora, contra o projeto que estabelece cotas de programas nacionais nas TVs por assinatura. As emissoras usam o poder que lhes foi outorgado pelo Estado para acuar os governos quando estes insinuam qualquer ameaça aos seus interesses.

IHU On-Line - O senhor concorda com a idéia de que a imprensa é o quarto poder? Se sim, como podemos classificar a mídia alternativa?

Laurindo Leal Filho - A idéia de um quarto poder, que seria exercido pela imprensa, ao fiscalizar os demais poderes está completamente ultrapassada. A imprensa – de um modo geral – tornou-se ela própria um poder muitas vezes mais poderoso que os poderes da República. O executivo e o legislativo são renovados periodicamente e do judiciário cobra-se maior controle externo. Sobre a mídia, com seus enormes interesses políticos e econômicos, não há nenhum controle. Daí a necessidade de criarmos instituições sociais capazes de exercer esse papel que seria, talvez, de um quinto poder. A mídia alternativa – especialmente alguns sites na internet – já exercem esse papel. Torna-se necessário disseminá-lo para que seja exercido também por outras mídias.

IHU On-Line - Que princípios são indispensáveis na redemocratização da imprensa?

Laurindo Leal Filho - Acima de tudo, a diversidade. A democracia não vive plenamente se tiver que conviver com visões parciais de mundo apresentadas por alguns meios como visões gerais.

IHU On-Line - Embora sejam caracterizados como oligopólios manipuladores, os principais meios de comunicação são responsáveis pela disseminação das notícias e informam mais de 90% da população. Como inverter esse quadro e fazer com a mídia alternativa ganhe destaque e seja respeitada com dignidade?

Laurindo Leal Filho - Não é um processo simples. Exige grande mobilização e, especialmente, uma articulação com outros setores organizados da sociedade como ONGs, sindicatos, movimentos populares e estudantis.

reproduzido de boletim FNDC.

sábado, 12 de abril de 2008

Olho grande sobre o urânio brasileiro

por Sergio Ferolla, Paulo Metri, Daniel Cariello
Um poderoso lobby age em silêncio, no Congresso e junto ao Executivo, para quebrar o monopólio estatal sobre o combustível. Interesse: exportá-lo em estado primário, num momento em que os preços internacionais não param de subir e o país desenvolveu tecnologia para processá-lo
O Balanço Energético Nacional de 2007 nos indica que, para a geração elétrica no mundo em 2005, foram utilizadas as seguintes fontes: o carvão mineral com participação de 40,3% do total gerado, o gás natural com 19,7%, a energia hidráulica com 16,0%, a nuclear com 15,2%, os derivados de petróleo com 6,6% e outras fontes com 2,2%. Com o preço do barril de petróleo ultrapassando a barreira dos US$ 100 e, obviamente, os preços dos derivados e do gás natural acompanhando essa escalada, somado ao fato da ameaça do efeito-estufa, em decorrência da queima dos hidrocarbonetos e do carvão, a humanidade enfrenta o desafio da busca de fontes geradoras de eletricidade mais limpas e competitivas. Alguns aproveitamentos hidráulicos causam fortes impactos ambientais, que proíbem seu uso, e muitas das fontes alternativas ainda não foram suficientemente desenvolvidas, como a solar, de forma que ainda fornecem eletricidade a preço proibitivo.

As necessidades de mais curto prazo estão a impor caminhos já conhecidos e a energia nuclear desponta sempre como forte candidata. Nesse contexto, os programas nucleares existentes no mundo começam a serem revisados, inclusive impondo-se a antecipação da construção de novas usinas. Como decorrência, prevê-se um crescimento considerável do consumo de urânio, em futuro próximo, com a acelerada valorização desse estratégico energético. Com o término da guerra fria, por volta de 1990, estoques de urânio destinados, inicialmente, para fins militares, foram ofertados em torno de US$ 10 por libra de urânio (U3O8), no mercado de geração elétrica, tanto pelos Estados Unidos como pela Rússia. Quando os estoques militares mostraram sinais de esgotamento, a libra de urânio atingiu US$ 130 em 2007, estando atualmente em torno dos US$ 95.

Aceitar a concessão seria cercear as conquistas da tecnologia nacional, para manter programas nucleares de países que não têm urânio, como França, Inglaterra, Japão, Alemanha, China e Índia
O Brasil, além de possuir 309 mil toneladas de reservas de urânio conhecidas, através da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), domina a tecnologia do enriquecimento, que agrega enorme valor ao produto, caso seja decida a exportação. O enriquecimento, em escala industrial, é realizado na INB, que também fabrica, depois do urânio ser enriquecido, os elementos combustíveis, significando nova agregação de valor ao produto final. Nossa capacitação tecnológica e industrial no setor nuclear precisa ser levada em consideração pelos órgãos federais e pelos congressistas, nesse momento em que algumas mineradoras, inclusive estrangeiras, demonstram a intenção de produzir urânio para exportá-lo na forma mais primária (U3O8).

Aceitar esse tipo de concessão significará o cerceamento das conquistas da tecnologia nacional, com a conseqüente limitação dos benefícios para toda a sociedade, permitindo que tais mineradoras abasteçam unidades de enriquecimento no exterior, para manter programas nucleares de países que não têm urânio, como França, Inglaterra, Japão, Alemanha, China e Índia. O lobby das mineradoras junto ao Executivo e ao Legislativo é enorme, pois, para poderem atuar nesse setor é necessário que o monopólio estatal do urânio seja extinto, sabendo-se que, para tal, um deputado já apresentou proposta de emenda à Constituição, a PEC 171.

A demanda por fontes de energia tem motivado guerras e tragédias sociais em várias regiões do globo, causando a denominada geopolítica do petróleo, presente nos planos e ações das grandes potências industriais e militares. A exaustão dos hidrocarbonetos, a agressão ao meio ambiente pela queima dos combustíveis fósseis e o irreversível crescimento de muitas nações emergentes, exigindo maior suprimento de energia, levará, em futuro muito próximo, à aparição da geopolítica do urânio. Para esse cenário de forte e disputada demanda por energéticos geradores de eletricidade, impõe-se preservar nossas reservas de urânio como monopólio inflexível do Estado, bem como expandir e aperfeiçoar as preciosas conquistas da engenharia e da técnica nacional, no domínio do combustível nuclear.

reproduzido de Le Monde Diplomatique - Boletim 46 - 12/4/2008.